- 歌曲
- 时长
简介
Procuro sempre sentir na música os meus poros. Como se saísse para fora de mim, me observando e como se fosse, eu, essa própria música: um conjunto, sem fim, de notas se olhando, se abraçando, enfim. A música de Chal é assim: um grande abraço entre a vida, os poros e os sons. Cada um deitado em seu próprio ninho. Cada qual na sua própria luz, como se desafiasse uma outra luz na luz mais clara dessa explosão de luzes. Há nos artistas, vejo assim, um certo enraizamento com a sua lógica de ser. Sou, portanto, um tanto quanto urbano, plantado nas grandes cidades. Chal, por sua vez, é um tanto quanto rural, plantado nos grandes eitos que encurtam a fome de quem vem e dos que querem ouvir a voz do sertão, o cantar dos pássaros, o despertar do sol no horizonte que nos apluma na terra. É assim com a sua música ‘Sabiá’. ‘Sabe lá, onde o tempo é solto’. E vem, e vem, como se gravitasse e se apoiasse no ar emoldurado em um azul infinito gotejado por nuvens brancas do Cerrado, tão distante que nos aproxima do que pensamos e passamos a pensar o que sempre dizemos. Cancioneiro, Chal vem hermitando com a sua viola, e seu balanço morno de voz, num grave que raspa as vistas, e, que se arrasta, como se tivesse os pés fincados, mas fugidos para sempre desta geografia do silêncio. E um tchao que nos chama. Como se as nuvens nos abraçassem cada segundo mais e que a sua música caminhasse num breve espaço do tempo sabendo que o tempo é mesmo esse velho e amigo, tempo. É Chal, o próprio sabiá do Sertão, cantando, e acordando o sol, a iluminar, sem dó, a laranjeira doce das abertas e motorizadas abelhas no pomar. Não há na vida tão vida quanto um sol na laranjeira esparramado, deitado para sempre, e o desejo de despertar na alma o encanto para as coisas bem simples da vida, como se a vida, essa mesma vida, não fosse assim tão simples, mas tão, somente, a vida. Mas não é tão bem assim. É mais. É simples, bem simples na voz e bem simples no violão enviolado de cordas de Chal, um nome que se estende na fonética do ‘até breve’, e deixa a música a sentir o chão nos poros da vida. E que seja breve enquanto dure na eternidade desse tempo, desse mesmo tempo cantado por Chal, como ‘A lenda do campo’. Como diria e tão bem disse o poeta Vinícius de Moraes: que seja eterno enquanto dure: no berrante que chama para a vida da vida, que se chama para a chama da chama. E, mais um dia se foi, e o tempo passou. Sangue forte, terra nas mãos. Ele é o mito desse sertão. Ele, a lenda do nosso chão. Ulisses Aesse: jornalista, escritor e crítico de artes